"Várias imagens e símbolos nos remetem a caminhada do povo com Deus e a Aliança no Sinai. João vai ao deserto, lugar de encontro com Deus, lugar onde o povo foi posto a prova, onde teve que aprender a se comportar diferente de todos os outros povos que não seguiam o Deus de Israel. Ele vai ao deserto para pregar e anunciar que um novo tempo se aproxima, é necessário um novo modo de proceder. Suas palavras são fortes e cortantes, suas ações são significativas. É preciso se arrepender, mudar de vida."
A reflexão é de Luciene Lima Gonçalves, nj, religiosa do Instituto Nova Jerusalém. Ela é mestre em Teologia pela Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. Possui graduação em Teologia pelo Instituto de Ciências Religiosas - ICRE (2007) e é especialista em estudos bíblicos pela Faculdade Católica de Fortaleza - FCF (2015). Atuou como professora de Teologia Bíblica na Faculdade Diocesana de Mossoró - FDM.
1ª leitura: Is 11,1-10
Salmo: Sl 71(72),1-2.7-8.12-13.17 (R. cf. 7)
2ª leitura: Rm 15,4-9
Evangelho: Mt 3,1-12
A liturgia do segundo domingo do Advento nos convida a refletir sobre a vinda do Messias e a reconciliação da humanidade. Na primeira leitura (Is 11,1-10) retirada da profecia de Isaías são apresentadas as características do Messias que brotará do tronco de Jessé: ele vai reconciliar a humanidade, os inimigos naturais serão reconciliados em uma nova forma de se relacionar, do ser humano com a natureza, no reino animal, os animais e seus inimigos viverão de maneira pacífica. Na segunda leitura (Rm 15,4-9) retirada da Carta aos Romanos, Paulo nos exorta sobre a importância das Escrituras no acolhimento mútuo entre aqueles que professam a fé em Cristo. O acolhimento praticado entre os cristãos tem sua origem no acolhimento de Cristo a humanidade. Jesus cumpriu as promessas feitas aos judeus, e salvando os pagãos usou de misericórdia.
A primeira leitura de (Is 11,1-10) é um grande poema messiânico está na primeira parte do livro atribuído ao profeta Isaías. Os temas principais desse poema são o Messias descendente de Davi, do tronco de Jessé, pai de Davi, a justiça como fundamento, a paz universal. O Messias virá do tronco de Jessé, ele terá o espírito do Senhor, será Ungido, terá sabedoria e discernimento. Estamos diante de um novo paraíso, uma nova oportunidade para a humanidade viver reconciliada em plenitude na presença de Deus. É uma sociedade humana ideal, governada por um justo, que julga os pobres com justiça, suas armas são o conhecimento profundo do seu povo e o desejo de salvação para todos os que viveram oprimidos até esse momento. Nesse mundo ideal os animais também vão experimentar a reconciliação com seus inimigos naturais. O mundo animal encontrará a harmonia entre seus habitantes. A inimizade da humanidade com o mundo animal representada pelo antagonismo entre a mulher e a serpente também chegarão ao fim, representado pela criança que porá a mão no esconderijo da serpente. A presença do Messias instaura um novo tempo onde as relações todas serão reconciliadas e se darão de maneira nova. É preciso estar atento e aberto para viver nesse novo tempo que se aproxima, ele estará aberto para todos os povos que desejarem participar desse novo modo de viver.
A segunda leitura ( Rm 15,4-9) nos chama a atenção quando Paulo diz que o devemos nos acolher mutuamente como o Messias nos acolheu. Ele lembra que o Messias é o cumprimento da promessa aos judeus em virtude da aliança feita com o povo de Israel, mas lembra que Deus olhou com misericórdia para os pagãos e decidiu salvá-los. O Messias Jesus no seu tempo reconcilia com sua vinda judeus e pagãos, mostrando para o mundo que é possível derrubar esse muro de separação e promover a reconciliação e o acolhimento mutuo.
O evangelho segundo Mateus (Mt 3,1-12) nos apresenta de maneira bastante forte a figura de João Batista que nos remete às figuras dos grandes profetas do Antigo Testamento, em especial o profeta Elias. O que os profetas viram e profetizaram agora é apresentado por João, que faz a ligação entre o Antigo Testamento e o Novo.
Várias imagens e símbolos nos remetem a caminhada do povo com Deus e a Aliança no Sinai. João vai ao deserto, lugar de encontro com Deus, lugar onde o povo foi posto a prova, onde teve que aprender a se comportar diferente de todos os outros povos que não seguiam o Deus de Israel. Ele vai ao deserto para pregar e anunciar que um novo tempo se aproxima, é necessário um novo modo de proceder. Suas palavras são fortes e cortantes, suas ações são significativas. É preciso se arrepender, mudar de vida.
Ele se dirige diretamente aos fariseus e saduceus, grupos religiosos oficiais dentro da religião judaica que se consideravam superiores ao resto do povo e merecedores dos benefícios divinos, se consideravam os puros e santos, verdadeiros intérpretes da Lei. João é duro com eles, pelo contexto parece que eles não estavam ali de coração aberto às palavras do Batista, mas sondando suas ações, pois ele era popular entre o povo e bastante respeitado.
João Batista fala que o tempo exige uma nova maneira de agir, é necessário, é urgente a conversão, uma mudança de vida. Cada um deve produzir frutos de conversão, não basta fazer de conta que se converte com palavras, é preciso agir, não basta se confiar na pertença ao povo eleito, é preciso assumir uma nova vida em Cristo.
Na liturgia desse segundo domingo do Advento somos convidadas e convidados a repensar nossas relações partindo da chegada iminente do Messias.
O tempo do Advento, como bem sabemos, é um tempo de preparação para a festa da encarnação, o nascimento de Jesus, a chegada do Messias prometido, esperado por tantas gerações antes de nós. A primeira leitura nos traz presente que esse novo tempo, é tempo de reconciliação, de paz, de justiça, de novas posturas perante antigas relações. O Messias governará o povo com justiça e olhará de modo especial para os desvalidos, os esquecidos, os abandonados, nele estará o espírito de sabedoria e discernimento. A resposta do Salmo 71 nos diz que nesses dias a justiça florirá, que esse governante julgará segundo a vontade de Deus, voltando seu olhar para o pobre e infeliz, nesse tempo a paz não terá fim todos vão se beneficiar e esse rei justo será bendito para sempre. Na segunda leitura a palavra acolhimento mútuo em Cristo também é repetida, como o Messias acolheu a humanidade, assim os cristãos judeus e pagãos devem acolher-se mutuamente. Não se pode mais viver separados como inimigos judeus e pagãos, pois todos somos um em Cristo: Ele derrubou o muro de separação. E no evangelho segundo São Mateus é preciso produzir frutos de conversão.
Para acolher esse novo que se aproxima algumas exigências são necessárias: arrepender-se, confessar os pecados, e mergulhar nas águas, passar da morte para a vida, produzir frutos que provem a conversão, a mudança de vida. Não basta somente professar uma fé oficial e não aderir ao evangelho de maneira radical. João anuncia que aquele que vem é mais forte que ele. João não é o protagonista, ele é a seta que aponta na direção a ser seguida, indicando os passos a serem dados para uma boa preparação para esse momento decisivo que é a chegada do Messias e o seu acolhimento ou rejeição. Ele está próximo, não podemos perder tempo, vamos nos ater ao que importa.
Devemos à luz dessas leituras nos questionar:
- Estamos prontas para viver um novo tempo de reconciliação e paz?
- Somos capazes de perdoar nossos inimigos ou aqueles que se fizeram nossos inimigos na caminhada da vida, podemos estender as nossas mãos e oferecer a mão para que se levantem?
- Somos capazes de acolher dentro das nossas comunidades os diversos grupos que discordam das nossas posições sociais, políticas e religiosas?
É urgente mergulharmos no Jordão e nos preparar para acolhendo o Messias Jesus, aceitar suas opções pelo perdão, pelos esquecidos, pela promoção da justiça e da paz. Ser mansa não significa ser passiva, mas sim ser justa, segundo os profetas o Deus justo é o Deus salvador. Respeitar os outros e se fazer respeitar apesar das diferenças, buscando sempre o bem comum.
Talvez esse seja o verdadeiro acolhimento mútuo e o engajamento na difícil tarefa de trabalhar pela reconciliação e acolhimento entre as cristãs e cristãos no nosso país marcado ultimamente por divisões em todo o território nacional, ferido por disputas de ideologias sociais e políticas que não tem nenhuma fundamentação evangélica e só visam interesses financeiros de grupos sociais que não querem perder seus privilégios conquistados às custas da exploração das riquezas do nosso país e da exploração do trabalho dos mais vulneráveis.